Você sabe o que é uma distopia. Talvez não saiba que sabe, já que a palavra não é das....
Autor: Bruno Vaiano
Saiba mais sobre o gênero de obras como Black Mirror, 3% e Jogos Vorazes
Você sabe o que é uma distopia. Talvez não saiba que sabe, já que a palavra não é das mais simpáticas. Mas que atire a primeira pedra o leitor de GALILEU que ainda não viu Black Mirror, que não está chocado até agora com 1984, de George Orwell, ou que não se recuperou ainda dasLaranjas Mecânicas de Burgess e Kubrick.
Pois é: uma parcela considerável das obras literárias e audiovisuais que fizeram o século 20 parar e pensar na própria vida são distópicas. E não é coincidência que elas sejam alvo de veneração geek até hoje.
Para contar a história do pessimismo, porém, é preciso primeiro passar pelo otimismo. Que, como muitas outras coisas, começou com uma palavrinha da Grécia Antiga: τόπος. (Transferida para o alfabeto latino, "tópos".)
A palavra, que se traduz em português por "lugar", deu origem a uma velha conhecida das aulas de geografia, a topografia, que significa, ao pé da letra, "descrição de um lugar". τόπος também deu em algo um pouco menos monótono: a utopia. O "u", no caso, serve de partícula negativa. A utopia, portanto, é o "não lugar", ou seja, um lugar que já começa a não existir em sua própria etimologia.
De sofrência o mundo já está bem, bem cheio, então não foram poucas as vezes em que algum grupo de pessoas almejou um lugar fictício que é literalmente muito bom para ser verdade. O termo, porém, só entrou para o imaginário popular depois de cunhado pelo estadista e escritor britânico Thomas Morus em 1516.
De Morus até aqui, pouca gente acha que a civilização chegou mais perto de suas metas utópicas. A Revolução Industrial e o avanço tecnológico não diminuíram a carga de trabalho da população proletária, que, concentrada os cortiços e periferias de grandes cidades, não conheceu repouso, leis trabalhistas ou salário digno no século 18.
O avanço imperialista das novas potências econômicas sobre a África balançou o jogo geopolítico europeu e culminou com a Primeira Guerra Mundial. Depois, vieram a quebra da bolsa de Nova York, a ascensão de regimes fascistas e comunistas e a eclosão do pior conflito da história da humanidade, a Segunda Guerra Mundial. E é com essa maré de más notícias que surge a literatura distópica.
O termo “distopia” foi ideia do pensador John Stuart Mill, que em 1868 sentiu necessidade de uma palavra que explicasse bem o suficiente a inversão dos valores utópicos de Morus na era industrial. Mas seu pioneiro veio mais de cem anos antes: o escritor anglo-irlandês Jonathan Swift com suas Viagens de Gulliver.
Na obra, um marinheiro inglês visita quatro países distantes, e a sociedade distorcida de cada um deles é sempre o resultado da exacerbação sarcástica do poder de uma ideia ou grupo que existem na vida real.
Em Laputa, uma capital tencocrática cravada em uma ilha de rocha flutuante abriga uma elite dedicada à ciência e arte, mas incapaz de dar finalidade prática a seus conhecimentos. O resultado é um reino de miséria sob a sombra do Leviatã. Em outra de suas paradas, Luggnagg, conhece uma casta de imortais condenados que envelhecem e atingem um estado deplorável sem jamais perecer.
Em 1895 H.G. Wells publica A Máquina do Tempo. A obra de ficção científica não só narra uma das primeiras viagens no tempo da ficção, mas também retrata a Terra do ano 802.701. Em 1932 surge o Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, e em 1948, o 1984de George Orwell.
Distopias são espelhos negros, versões corrompidas de futuros que batem na nossa porta
Em Admirável Mundo Novo, toda a população passa por um condicionamento biológico e psicológico que garante submissão absoluta à uma sociedade de castas. A obra de Huxley, hoje, soa profética ao prever os avanços da ciência contemporânea na tecnologia reprodutiva e na manipulação genética.
Em 1984, uma máquina estatal burocrática comandada pelo Grande Irmão, ditador descrição física semelhante à de Stálin, altera a própria língua de seu povo para evitar pensamentos proibidos, e altera diariamente todo o histórico de notícias dos jornais para garantir que o momento atual esteja sempre em perfeita consonância histórica com o passado.
O romance é encarado pela crítica como um beliscão de Orwell, um socialista declarado, na deturpação dos valores que defendia por regimes totalitários do começo do século 20.
Na era das mídias sociais, o caminho está aberto para distopias tecnológicas como Black Mirror. A ideia jamais perde o apelo: afinal, como o próprio título da série indica, distopias são espelhos negros, versões corrompidas de futuros que batem na nossa porta. Difícil é não se identificar. E os exemplos seguem em obras como 3%, Jogos Vorazes eMaze Runner.
Uma distopia, portanto, é, uma história com uma lição. Em geral, envolve a denúncia de regimes ditatoriais, tirânicos e autocráticos. Mas, mais do que isso, é uma janela escancarada para as consequências de qualquer tentativa de moldar e dar direção a algo tão plural quanto a civilização. Você pode ver o vídeo original do TED Education.
*Com supervisão de Nathan Fernandes.
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